Puno (PE) – La Paz (BO): 272 km
Acordei sem
pressa pois tinha poucos quilômetros para serem vencidos no dia e fui tomar
café. Durante uma mordida e outra procurei mapas da Bolívia para o GPS, porém
vão. Com tudo na moto saí as 9:45 do hotel e ainda dentro da cidade fui parado
pela polícia de trânsito. Solicitaram a documentação da moto, as minhas, o
registro da aduana e o SOAT. Entreguei tudo, exceto o SOAT, pois não havia
comprado. O guarda disse que não poderia liberar-me sem este documento e
durante a conversa argumentei que havia percorrido meio Peru e havia sido
parado várias vezes pela polícia (mentira) e que em nenhum momento haviam me
pedido o tal seguro. O guarda saiu com os meus documentos na mão e alguns
segundos depois voltou mandando seguir viagem meio contrariado.
Assim que
saí do caos da cidade pude curtir o visual do lago Titicaca, simplesmente
magnífico. Fui contornando-o até chegar a Desaguadero onde fiz a aduana /
migração Peruana em 10 minutos e a boliviana em 20. Na segunda as fotocópias dos
documentos (passaporte, carteira de motorista e documento da moto) foram solicitadas
e como havia pego dicas na internet estava com todas a postos. Segundo relatos
se não entregar as cópias para o fiscal não entra na Bolívia e procurar algum
lugar para fazer isso ali deve ser um caos, pois a cidade é muito mais
tumultuada e feia que Ciudad Del Leste no Paraguai. Após resolvido a
documentação para a entrada da moto no país é necessário preencher uma ficha na
migração e rapidamente aparece um facilitador (com caneta na mão). Como eu
tinha a caneta e o documento é extremamente simples de se preencher recusei o
serviço.
Assim que
cheguei a estrada parei para abastecer e paguei em soles pois ainda não tinha
nenhum boliviano em mãos. Falando em cambio, optei em fazê-lo somente em La
Paz, pois Desaguadeiro não inspirou confiança.
As estradas
bolivianas, percorridas neste dia, são um pouco deformadas pelos caminhões (afundadas)
e com alguns buracos. A pintura do asfalto praticamente já não existe mais e as
placas são relativamente velhas. Há poucos carros e caminhões, porem muitas
vans caindo aos pedaços. Para compensar o pouco transito na estrada, o trânsito
em El Alto é um caos, principalmente no acesso a autopista que leva até La Paz.
Como havia
decorado o mapa no dia anterior, por conta do problema com o GPS, cheguei a
região que queria ficar em La Paz sem problemas, com exceção do trânsito. Levei
quase 1 hora para chegar ao hotel (cheguei as 17:00 no horário boliviano, 1
hora a menos que no Brasil). Fiquei no hotel Continental, uma espécie de
albergue da juventude, com quartos e banheiros individuais, bom e com um
movimento intenso de turistas do mundo inteiro. O local para guardar a moto é seguro,
só que das 5:30 as 12:00 não é permitido sair, pois há uma feira que fecha a
rua todos os dias.
Dei uma
volta a pé, parando em diversas lojas de equipamentos para alpinismo /
montanhismo (me controlei e não comprei nada). Também fui conhecer o Mercado de
las Brujas e fiz cambio dos soles que tinha. Retornei ao hotel onde jantei e
arrumei as malas para sair bem cedinho para percorrer a Estrada dos Yungas,
mais conhecida como Ruta de La Muerte.
22o dia – 21/04/2012
La Paz (BO) – Coroico (BO) – La Paz (BO): 210 km
Sai as 5:25
para não ter problemas com a feira e ainda escuro fiz toda a subida para sair
de La Paz até chegar aos 4680 msnm (ponto mais alto do dia). O transito estava
bem tranquilo, até parecia cidade de interior.
Quando
comecei a descer o dia clareou e algumas nuvens começaram a surgir e aos poucos
foram tomando conta até que começou a chover. A estrada nova que leva até
Coroico já vale o passeio, é cheia de curvas em uma descida íngreme e
constante, com muitos viadutos e pontes e montanhas muito altas com muita
vegetação. Uma pena que em alguns trechos alguns desmoronamentos a danificaram.
As 8:10 estava em Coroico e para meu desespero o único posto de combustíveis não
tinha gasolina. Fiz e refiz a contas diversas vezes e cheguei a conclusão que
retornando a La Paz pela Ruta de La Muerte chegaria com menos de 1 litro no
tanque. Sendo assim resolvi ir frente, mesmo sendo um pouco arriscado – eu não
iria desistir estando ali.
Foram 24 km
muito, as muito íngremes com precipícios gigantes, porém eu não conseguia ver o
fundo do vale por conta das nuvens. A chuva já havia parado, mas o tempo ainda
estava muito fechado. Quase deixei a buzina da moto rouca, pois em todas as
curvas eu buzinava, afinal a estrada é muito estreita, as curvas são fechadas e
na grande maioria sem visibilidade. Em um certo momento encontrei um ônibus
descendo e como quem sobe deve ficar a esquerda (mão inglesa) do lado do
barranco fui para o canto. Como observei que não daria espaço para os dois
entrei na valetinha existente bem no cantinho e encostei o guidão no barranco.
O ônibus passou com as rodas do lado esquerdo praticamente no precipício e lambendo
o guidão. Na hora de sair a roda traseira afundou inteira na lama até a
balança. Foi um sufoco tirá-la, mas felizmente consegui. Depois desse encontro
tive outros mais tranquilos, foram 3 carros e umas 30 bicicletas.
A estrada
para quem nunca ouviu falar era a única ligação entre La Paz e Coroico até a
alguns anos atrás e em 64 quilômetros, que eram todos de terra, o viajante sai
de 1100 msnm para 4680 msnm (no sentido Coroico – La Paz). A largura dela em
quase toda a sua extensão varia entre os 4 e 6 metros, que nos tempos “áureos”
era usada por carros, ônibus e caminhões que se espremiam entre o barranco e os
precipícios de até 800 metros de profundidade. Hoje só restaram 24 quilômetros
do traçado original e virou ponto turístico. A grande maioria dos visitantes a
faz descendo de bicicleta em pacotes comprados nas agências de turismo em La
Paz, no qual é fornecido van para suporte, roupas e a própria bicicleta. O
trecho restante da estrada é o mais íngreme, com os precipícios mais profundos,
com a menor largura, com 2 rios que cruzam a estrada (por cima dela) e com
diversas cachoeiras com mais de 10 metros de altura que caem das montanhas
sobre a estrada obrigando os motoristas a passar sob as quedas d’água (muito
legal tomar banho de cachoeira de moto e tudo).
Acabado os
24 km entrei na mesma estrada da ida e 40 km antes de La Paz havia um posto com
gasolina – fim do sufoco, bom pelo menos desse sufoco. Isso porque na chegada a
La Paz tudo ia muito bem até que peguei uma obra no caminho que havia estudado
e fui obrigado a fazer um simples desvio, pronto, me perdi.... Por conta disso e
do transito dei uma boa volta na cidade e perdi um pouco mais de 1 hora e meia
para chegar ao hotel. O lado bom da coisa é que circulei por praticamente todo
o lado norte e leste da cidade, somando com o que percorri na chegada, lado
oeste e sul, posso dizer que conheci bem La Paz.
Finalmente
próximo das 13:30 larguei a moto no hotel, tomei um bom banho e fui almoçar no
La Casona Restaurante Café na Avenida Marechal Santa Cruz, um restaurante
chique e muito bom. Depois “camelei” para valer, devo ter andado uns 10
quilômetros conhecendo todo o centro.
Antes de
retornar ao hotel passei em diversas agências de turismo para agendar o passeio
do dia seguinte. Mas infelizmente não foi possível, por dois motivos. Primeiro
não havia grupos fechados e depois fui informado que a nevasca prevista para o
dia seguinte no topo do Chalcataya (5410 msnm) impediria o passeio. Não foi
dessa vez que ultrapassei os 5000 msnm.
Apesar do
trânsito horrível, da zona que são as calçadas e das ruas estreitas gostei de La
Paz, um dia voltarei e para subir o Chacaltaya!
23o dia – 22/04/2012
La Paz (BO) – Cochabamba(BO): 397 km
Para minha felicidade descobri que a feira não
funciona aos domingos, portanto não precisaria madrugar para sair do hotel e as
8:31 liguei a moto. Imaginei que as ruas não estariam muito cheias, mas
infelizmente a avenida Santa Cruz que dá acesso a autopista, bem como ela
estavam fechadas para uma maratona. Peguei informações com um guarda e segui
para El Alto. Não errei o caminho mas o transito estava bem complicado e levei
1 hora para chegar a avenida que se transforma na estrada para Oruro /
Cochabamba. Todo este tempo para percorrer apenas 17 quilômetros e num domingo.
Nesta
avenida, em El Alto, parei em 3 postos que não tinham gasolina, um quarto tinha
mas o frentista disse que não poderia vender para estrangeiros. Argumentei que
gostaria de conhecer a Bolívia, mas desse jeito seria difícil. O frentista
disse que era ordem do chefe, não argumentei mais pois ele estava só cumprindo
ordens. Outros dois também não tinham gasolina e finalmente no sétimo posto consegui
abastecer, mas paguei praticamente o triplo do valor registrado na bomba. Na
tabela para estrangeiros o valor era de 9,25 bolivianos o litro, sendo que para
os bolivianos o valor era de 3,14. Neste momento cheguei a pegar o meu
planejamento para ver os planos B, C que havia preparado. Pensei um pouco e
resolvi seguir viagem, não seria este problema que me impediria de conhecer a
Bolívia – estava determinado.
Finalmente
2 horas e 45 minutos depois de sair do hotel iniciei a viagem efetivamente. Mas
não rendeu muito, pois no máximo 10 minutos depois fui parado pela polícia.
Felizmente só pediram os documentos, anotaram em um caderno caindo aos pedaços
um monte de informações e me liberaram.
Em função do problema de abastecimento resolvi
parar em todos os postos que encontrasse a beira da estrada e o primeiro foi em
Patacamaya (a 81 quilômetros de El Alto). Ali consegui abastecer pagando um
pouco mais que o dobro marcado na bomba. Rodei mais 115 quilômetros e parei em
Caracollo para abastecer, mas infelizmente não vendiam gasolina para
estrangeiros. Ao subir na moto observei que o pneu traseiro estava um pouco murcho.
Perguntei no posto por uma borracharia (pancharia) e o fui informado que um
quilômetro atrás havia uma. Enchi o pneu no posto mesmo e retornei. Na borracharia
o garoto que trabalhava lá disse que faria o conserto, entretanto não
desmontaria a roda. Desmontei a roda, o borracheiro fez o remendo e eu montei a
roda novamente. Enquanto montava observei que as pastilhas estavam bem gastas e
que o sistema estava travado por conta do barro (provavelmente de quando
encalhei na Ruta de La Muerte). Limpei o que deu.
Com o pneu
consertado voltei a estrada e parei no outro posto da cidade uns 15 km a frente.
Neste o frentista abasteceu a moto sem criar problemas e pelo mesmo preço dos
bolivianos. O frentista foi camarada, pois a tabela da YPFB colada na bomba mandava
cobrar os mesmos 9,25 que me cobraram em El Alto.
Finalmente consegui rodar bem por 180 quilômetros e ao
chegar em Cochabamba as 16:50 fiquei muito surpreso (positivamente) com a
cidade. Muito organizada e com belas avenidas. A cidade é plana e emoldurada
por muitas montanhas. O hotel que fiquei não possui garagem mas o gerente (acho
que o dono) foi super atencioso e ofereceu a sua casa para guardar a moto (na
realidade uma mansão que faz fundos com o hotel). Ao retornamos para o hotel
contei os problemas enfrentados com a falta de combustível e ele disse que iria
conseguir dois galões de 5 litros para que eu pudesse viajar mais tranquilo.
O
atendimento do último frentista e a postura do gerente do hotel fizeram com que
eu esquecesse os problemas de abastecimento do país.
Tomei
banho, fui jantar e caminhar pela cidade. Antes de retornar para o hotel passei
em uma lan house e atualizei os meus e-mails.
24o dia – 23/04/2012
Cochabamba(BO) – Santa Cruz de La Sierra: 483 km
As 7:40 sai
do hotel e já no posto meu ânimo com a Bolívia foi por água a baixo de novo,
pois levei pelo menos 20 minutos para convencer a gerente do posto a abastecer
a moto. Depois da “briga” consegui encher o tanque e os dois galões, obviamente
pagando o preço de tabela para estrangeiros. Fiz a revisão básica e peguei as
estrada as 8:30.
Após 90
quilômetros rodados fui parado pelo exército. Olharam o passaporte e pediram
para abrir um alforje sendo liberado na sequência. Os próximos 50 quilômetros a
partir deste ponto a estrada está péssima, com muitas crateras e trechos
totalmente sem asfalto. De tempos em tempos aparece uma placa onde está escrito
“Zona Geologicamente Inestable”. Esteja preparado, pois ela está exatamente
onde o asfalto acaba e inicia um trecho de terra com muitos buracos e pedras
soltas – uma beleza....
Após o
término da descida da cordilheira a estrada volta a ficar boa e as margens dela
surgem inúmeras cidades / vilarejos, por isso muita atenção. O calor toma
conta, assim como uma quantidade enorme de motos de pequena cilindrada entrando
e saindo da estrada sem dar muita atenção para quem esta viajando.
Parei em
alguns bares / restaurantes a beira da estrada para lanchar alguma coisa e
sempre desistia, pois são todos nojentos. Recorri ao meu estoque de segurança e
“almocei” bolacha água e sal e torrones.
Como não
estava a fim de me estressar para conseguir abastecer optei em utilizar os
galões reservas e fiz o trajeto todo sem parar em postos de gasolina. Como é
bom ter uma grande autonomia, no caso eu estava com suprimento de 23 litros (15
no tanque e mais 4 litros em cada galão).
Cheguei a
Santa Cruz de La Sierra as 16:10 e quando acessei a avenida principal parei
para pedir informação de como chegar a concessionária Yamaha. O fato irônico é
que pedi informações na concessionária Honda. Segui as indicações e fiz mais
algumas perguntas no caminho e cheguei na concessionária Vicar as 16:40. Infelizmente
eles não tinham o reparo da bengala e nem pastilha de freio, mas mesmo assim
deixei-a na oficina. Pedi para revisarem o sistema de freio e revestir a
pastilha.
Segui a
indicação do mecânico e hospedei-me no hotel Elisa, no mesmo quarteirão da
concessionária. Tomei um bom banho, vesti bermuda e chinelo (a primeira vez
desde que saí de Paracas) e saí para conhecer a cidade. Jantei em frente ao
parque central da cidade, onde comi um prato típico da região, o Picado. Nada
mais é que um bife a milanesa cortado em pequenos pedaços que vem acompanhado
de arroz e batatas fritas – uma delícia.
No retorno
ao hotel tentei falar com a Carla, mas não consegui. Assim que cheguei no
quarto liguei o ar condicionado e fiquei na internet até pegar no sono.
25o dia – 24/04/2012
Santa Cruz de La Sierra (BO) – Roboré (BO): 429 km
Assim que
acordei fui a oficina peguei a moto e voltei para o hotel para fechar a conta.
As 10:00 estava saindo e antes de me perder perguntei a um soldado que estava
de moto o caminho correto e ele disse para segui-lo. Só tenho a agradecer a
Deus, pois em toda a viagem ele colocou pessoas boas em meu caminho.
Após
acessar a avenida que vai direto a estrada parei em dois postos, ambos não
tinham gasolina e somente no terceiro consegui abastecer a moto e os galões. O
frentista perguntou o meu nome e número do documento, como de praxe para emitir
a nota para estrangeiros, mas na hora de pagar cobrou como se eu fosse
boliviano.
Andei 21 km
e fui parado pelo exército, que pediu documentos e me liberou. Logo na sequência
peguei a direita em direção a Puerto Suarez. A estrada e novinha em folha, uma
beleza. De tão boa até esqueci que tem um trecho ainda de terra. São 50 quilômetros,
mas que só percorri 42, os outros 8 entrei na pista em obras, estava faltando
somente as pinturas. O trecho que percorri é composto por trechos com grandes pedras
e erosões e outros cobertos por uma camada de pó bem fino, até parece talco - uma
beleza para cair (imagino com chuva). Para completar a temperatura estava em
38,8 graus que somado a baixa velocidade fez com que a ventoinha do radiador
ficasse ligada todo o trajeto de terra.
Assim que
acaba a terra tem um boteco, onde pedi uma coca-cola e ela só tinha de 2
litros, mandei ver mais de 1 litro! Depois de refeito retomei a estrada, agora
de asfalto, e 30 quilômetros depois eu estava no acesso a São Jose de
Chiquitos. Parei no posto e não quiseram abastecer apesar da minha choradeira.
O frentista querendo se livrar de mim, disse que havia um posto 4 km a frente e
que este vendia combustível para estrangeiros. Coloquei o capacete muito indignado
e segui, o pior não existia outro posto!
Fiz as
contas e segui até Roboré usando os galões reservas. Neste trecho não passei
dos 90 km/h para economizar combustível e não correr o risco de ter uma pane
seca. De uma certa forma andar devagar neste trecho foi providencial, pois as
montanhas com seu topos planos são muito bonitas neste trecho entre São Jose de
Chiquitos e Roboré e assim pude curtir bem o visual.
As 16:00
cheguei ao posto de Roboré, se é que dá para chamar aquilo de posto. É um
tanque de uns 10.000 litros apoiado sobre cavaletes de madeira e quem controla
o posto é o exército. O soldado abasteceu a moto e os galões sem questionar e a
preço para boliviano. Pelo marcador analógico da “bomba” (o abastecimento é por
gravidade) o tanque da moto tinha somente 100 ml e os galões estavam vazios,
mas acho que não estava correto, imagino estar com pelo menos 1 litro no tanque.